Por uma Política Externa Feminista

Ana Balbachevsky
aspolíticas
Published in
7 min readSep 26, 2017

--

“Cada vez mais pessoas estão vivendo uma vida melhor. Porém, a igualdade de gênero continua sendo apenas uma visão, e não uma realidade”

É desta forma que o governo da Suécia começa seu plano de ação para a sua inovadora política externa feminista. A política tem entre seus objetivos apoiar o acesso de mais atores femininos em operações de paz, combater violências contra mulheres e meninas em contexto de (pós)conflitos e fortalecer os direitos sexuais e de reprodução das mulheres.

Porém, você deve estar se perguntando: o que seria uma política externa feminista propriamente dita? O que diferencia uma abordagem de gênero na política internacional de um Estado de uma política pública doméstica?

O que é a política externa?

Para começarmos a entender um pouco mais sobre esse assunto, é importante definirmos o que é política externa. De uma forma mais direta, a política externa nada mais é que uma atividade oficial formulada e implementada por agentes autorizados de um Estado Soberano, direcionada ao ambiente externo dos Estados. No caso do Brasil, por exemplo, temos o Ministério das Relações Exteriores (MRE) que exerce a função de agente autorizado. Porém, isso não quer dizer que outros atores, como a própria presidência da república, também não façam política externa. Inclusive, acordos entre agências e outros ministérios com outros países, ou ainda organizações internacionais, constituem a política externa.

Segundo Marissa Conway, fundadora e CEO da revista Feminist Foreign Policy, a política externa é “uma coleção de estratégias que orientam a interação de um país ou governo com outros atores estaduais e não estatais. Baseando-se na influência política, que se manifesta de várias formas, o jogo final é persuadir outros órgãos políticos a agir de forma a proteger os interesses nacionais.”

Por que feminista?

Você deve estar pensando: por que uma política feminista? Bom, vamos evitar entrar aqui em detalhes maiores sobre teoria, pois este não é o intuito deste texto, e ressaltar algumas informações sobre o que o feminismo busca na política, especialmente em questões de igualdade de gênero. A divisão sexual do trabalho (quem cuida, quem trabalha), por exemplo, “expõe a posição relativa dos indivíduos no acesso a recursos e oportunidade… e [essas desigualdades] são indicativas da vulnerabilidade maior das mulheres e daqueles que delas dependem.” (MIGUEL, BIROLI 2013).

Pode-se ir ainda mais longe e afirmar que a desigualdade de gênero está presente em praticamente todos os lados do mundo. Sem esquecermos dos importantes recortes de classe e raça, é possível concluir que muitos dos problemas enfrentados hoje pela humanidade tem como base os problemas advindos de um mundo que tem como base o patriarcado (ou dominação masculina). Desta forma, fica mais evidente o por que uma política externa feminista seria um dos passos para combater essa desigualdade e garantir a segurança de mulheres e meninas ao redor do mundo. Além disso, o feminismo hoje busca ter um olhar interseccional, ou seja, a luta (em grande parte) do movimento buscar abarcar também as lutas de classe e raça (Uma das principais autoras dessa linha teórica é Angela Davis).

Com isso, podemos concluir que políticas públicas feministas hoje devem buscar lidar não somente com a questão da desigualdade de gênero, mas também com o racismo e lutas de classe. Por isso uma política externa feminista pode ser muito interessante para um país que busca desenvolver medidas afirmativas para trabalhar as desigualdades sociais de maneira intensa.

O que não é uma política feminista…

Vamos começar por quem faz essa política hoje no Brasil. Se entrarmos no site do itamaraty, podemos ver a lista do corpo diplomático brasileiro atual. Usando uma técnica bem simples, fazemos uma busca por Sra. (senhora) e temos 724 resultados de busca. Quando fazemos o mesmo com Sr. (senhor), temos 863 resultados. Isso nos mostra que existe um equilíbrio interessante entre homens e mulheres dentro do MRE. Porém, essa busca inclui todos os cargos, desde o terceiro-secretário até o embaixador. Quando usamos a palavra Embaixadora, recebemos apenas 17 resultados, enquanto Embaixador nos traz 200.

Isso é problemático, para não dizer assustador. Afinal, independente de quantas mulheres e homens quantitativamente temos no ministério, se fizermos uma análise qualitativa de quem tem poder de negociação, fica claro que essas não são as mulheres, isso por que nossa simples pesquisa não levou em conta outros recortes, como por exemplo de raça e classe. Ou seja, será que temos uma política externa pensada para a sociedade como um todo?

Não esqueçamos também do memorável discurso do nosso atual Presidente, Michel Temer, onde foram ditas frases como “ninguém é capaz de melhor detectar as eventuais flutuações econômicas que a mulher, pelo orçamento doméstico maior ou menor” e que tem “a absoluta convicção, até por formação familiar, por estar ao lado da Marcela, o quanto a mulher faz pela casa, o quanto faz pelo lar, o quanto faz pelos filhos”. Esta fala nos mostra a realidade do executivo brasileiro atual: marjoritariamente branco, masculino e que, com todas as letras, acredita ainda que o papel principal da mulher é no plano privado, cuidando de casa. Obviamente não é um governo ativamente preocupado em equiparar desigualdades, mas sim em manter o status quo social.

Mas, não é só no Brasil que o papel da mulher na sociedade é ainda tratado de maneira errada. Olivia Engle traz uma interessantíssima análise de como ainda existe muita misoginia na política em geral, e utiliza o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, como exemplo. Na primeira semana de sua presidência, Trump reintegrou o Global Gag Rule que proíbe que os fundos federais sejam direcionados para ONGs internacionais que estão de alguma forma associadas ao aborto.

Independente de nossas crenças pessoais, segundo o Estadão, só no Brasil são 4 mortes diárias por complicações ligadas ao aborto. Impedir que mulheres tenham acesso a métodos seguros para interromper a gravidez é mais uma forma de marginalizar a mulher e manter a dominação masculina sobre seus direitos de reprodução, principalmente de mulheres mais pobres. Vale frisar que nosso país [deveria ser] é um Estado Laico, o que significa que as políticas governamentais não devem ser alinhadas com nenhuma religião e sim, pensadas para o bem das pessoas, inclusive das mulheres. Uma política que corrobora para a perpetuação da marginalização e insegurança da mulher não é uma política feminista, e não deveria ser uma política aplicada pelo Brasil.

E o que seria uma política externa feminista?

Para responder essa pergunta, partimos do princípio que deve haver uma mudança normativa (como algo deve ser) e de operacionalização dessa política externa. Ou seja, pensar o que se espera da política externa de um país que tenha em mente a igualdade de gênero e que na prática tenha políticas que visem constranger outros atores que não seguem os mesmos princípios. Ademais, não é apenas enumerar o que seria importante mudar na política externa do país, mas implementar ações que de fato façam alguma diferença real.

Por exemplo, não negociar com países que, no âmbito doméstico, falhem em proteger suas meninas e mulheres. Incentivar políticas afirmativas dentro do MRE para envolver mais mulheres nas tomadas de decisão, confrontar nações que tomem atitudes perversas contra mulheres, como no caso dos Estados Unidos, para constrangê-los em suas ações misóginas, buscar incentivar outras nações a investirem mais na educação infantil de meninas e etc. Isto é, implementar políticas no âmbito internacional que busquem diminuir desigualdades e não perpetuar injustiças.

Considerações finais

Podemos ficar aqui listando inúmeras ações que um Estado, como o Brasil por exemplo, deveria tomar para ter uma política externa mais feminista. A verdade é que o nome em si não é o mais importante. O importante é entendermos que quando falamos em uma política externa feminista estamos indo além da questão de gênero no trabalho, na vida sexual ou privada das mulheres, mas estamos pensando na possibilidade de mudar o status quo no mundo. Diminuir o modo como os direitos da menina e da mulher são periféricos é fazer com que mais famílias tenham o que comer, mais pessoas estejam a salvo e mais indivíduos possam contribuir com o mundo de forma positiva e ativa.

Não cabe a este texto fazer nenhum tipo de valoração quanto a qual tipo de política externa feminista é mais eficiente, ou ainda analisar de forma normativa os muitos feminismos existentes no mundo. Essas questões são para outra hora. O que nos atentamos aqui é explicar um pouco sobre o que seria uma política externa feminista, quais os problemas que a mesma poderia procurar resolver e chamar atenção para o fato de que a desigualdade de gênero permeia, também, a política internacional.

Por fim, é importante ressaltar que quando falamos em uma política externa feminista não estamos nos referindo a políticas que prejudiquem os homens, ou ainda de políticas que visem apenas mulheres. A igualdade de gênero afeta as relações sociais e econômicas como um todo, e o feminismo tem por definição a perspectiva de acabar (ou pelo menos diminuir) as barreiras construídas pela sociedade que impedem mulheres e homens de conviver como iguais.

Ana Balbachevsky é Mestranda no Instituto de Relações Internacionais da USP, membro-fundadora do maRIas — Grupo de Estudo em Gênero e Relações Internacionais da pós-IRI/USP e Editora da área de política internacional do As Políticas.

--

--

Ana Balbachevsky
aspolíticas

Brazilian, Immigrant, Feminist. I love all things Tech and HR. I enjoy writing about matters of the heart: life lessons, career advice, and travel ❤︎